O nome pode soar a estranho para os mais jovens, mas António Trota já foi familiar para milhares de portugueses que costumavam ouvir, nos idos anos noventa (e até 2010), a Rádio Renascença (RR). Durante quase duas décadas, aos microfones da emissora católica, cobriu o distrito de Braga e foi repórter de serviço, sobretudo, nos jogos intramuros de Braga, Vitória de Guimarães e Gil Vicente.
Entrou no jornalismo, pela Rádio Braga (pirata), em 1984, e, às rádios locais, já legalizadas, voltaria em 1990, antes de ingressar na RR, em 1991. Esteve na emissora católica numa altura em que vozes consagradas do jornalismo “entravam pelas casas adentro” com notícias, relatos e avisados comentários. Desses tempos, elenca, de memória, nomes como Ribeiro Cristóvão, Neves de Sousa, Alves dos Santos, João Pedro Mendonça, Pedro Sousa, Valdemar Duarte e Pedro Azevedo, para os entendidos, à época, a nata do meio futebolístico radiofónico. Também colaborou com vários jornais (Gazeta dos Desportos e Diário do Minho).
Deixou, por opção, a rádio, em 2010, para abraçar a restauração – é o gerente do Restaurante Trotas, no Largo da Senhora-a-Branca.
Na longa entrevista que se segue, Trota recupera os saudosos tempos da infância passada em Vilar de Suente; explica como surgiu a paixão pela rádio; elogia a “fabulosa” equipa de profissionais que encontrou na RR; revela a viragem profissional que assumiu há seis anos; fala com orgulho da sua Terra; e critica o Parque Nacional por ser um travão ao desenvolvimento…
O António Trota é natural de Vilar de Suente e cresceu até aos 12 anos neste lugar de Soajo. Que memórias guarda da infância?
Guardo as melhores memórias desses tempos. Enquanto, hoje, as crianças têm acesso a tudo e mais alguma coisa, nessa altura [décadas de sessenta e setenta], tínhamos de inventar tudo, incluindo brinquedos. A infância foi do melhor que tive, embora não fosse fácil viver numa aldeia tão isolada como era Vilar de Suente há quarenta anos. Mas, apesar disso, tenho memórias fantásticas.
Como é que passava os dias?
Nessa altura, quase todas as famílias tinham gado, cabras e ovelhas, que eram a principal fonte de sustento. Por isso, desde muito cedo, comecei a ajudar a minha mãe na agricultura.
Com 12 anos muda-se para Braga. Como é que correu a transição do meio rural para um centro urbano?
Acabou por correr muito bem. Porquê? Porque o meu irmão já estava em Braga há três anos, algo que acabou por facilitar o meu enquadramento.
Prosseguiu os estudos em Braga nessa altura?
Prossegui… Fiz o secundário e, depois, dediquei-me à rádio.
A partir de que momento sentiu que daria um bom radialista/jornalista? Quais as referências da rádio na altura em que o “bichinho” começou a aparecer?
A rádio apareceu por coincidência: um amigo meu que fazia um programa na rádio (local), numa altura, não pôde, porque tinha um trabalho a fazer, e pediu-me se eu podia ir à rádio passar uns discos e fazer qualquer coisa… Comecei aí, e ele deixou de aparecer, pelo que peguei no programa e, a partir daí, comecei a ganhar um pouco de paixão por aquilo. Mas, recordo-me bem, quando eu andava pelas terras com o gado ou a semear e cortar o milho, já tinha essa coisa de fazer os relatos à minha maneira… Seja como for, na minha carreira, foi tudo acontecendo, nada foi programado. Eu fui chegando e vendo.
Há quem diga que há um grande misticismo associado à voz de um radialista. Que fenómeno é este?
Isto acontece na medida em que nós estamos a ouvir alguém, de quem até gostamos mas a quem não vemos a cara, e, quando um dia se está com esse realista, cara a cara, por vezes, ficamos defraudados… Há figuras da rádio que, ao se mudarem da rádio para a televisão, perderam encanto e mística. A rádio é diferente, genial e sublime. E, depois, há o lado do relato, que é muito complicado, pois é preciso ter ritmo, linguagem e a palavra certa no momento exato para “prender” os ouvintes. O jornalista/narrador é uma espécie de árbitro, pois tem de decidir no segundo e não pode voltar atrás… Dois segundos em rádio, como se costuma dizer, é uma eternidade.
Costumava imitar algum narrador?
Não, não… Nunca fui em imitações, fui sempre igual a mim próprio. Nunca imitei ninguém.
Em que ano ingressou pela primeira vez numa rádio (pirata)?
Em 1984, na Rádio Braga. Depois, as rádios piratas fecharam e, quando reabriram, ingressei, já na década de noventa, na Rádio Televisão do Minho (RTM). Aqui, estive cerca de nove meses.
Como chegou à RR? Qual foi o seu primeiro trabalho nesta emissora?
O padre, agora cónego, João Aguiar Campos, convidou-me para a RR e eu recusei – e para esse lugar entrou José Isaac Pereira. Depois, voltou a convidar-me, recusei de novo, lugar que seria ocupado por Daniel Mogas. A seguir, em 1991, a RR fez um concurso… Concorri e o responsável chamou-me para me comunicar que eu começava a trabalhar no dia 1 de maio… Mas, por ser feriado, entrei no dia 2 de maio.
Fez parte da famosa equipa que a RR tinha nos anos noventa. Que memórias é que preserva desse tempo?
Foi fabuloso ir de uma rádio local, com pouca experiência, para a RR. Não é fácil para qualquer pessoa, seja quem for. Tive a sorte de encontrar pessoas e profissionais fantásticos. Fiz parte de uma equipa fabulosa, hoje, quase toda desmembrada… Guardo sobretudo na memória a figura ímpar do Ribeiro Cristóvão. E que dizer de Pedro Sousa e Pedro Azevedo? São, de longe, os dois melhores relatadores portugueses. Naquela altura, liderávamos as audiências. Para fazer um relato, é preciso ter muita preparação, não basta conhecer os jogadores… A concentração é fundamental.
Qual o trabalho que mais gozo lhe deu fazer no jornalismo?
Fazia tudo com grande paixão e fazia um pouco de tudo. Todo o tipo de notícias, era um jornalista de âmbito geral. Sempre que aparecia alguma coisa – acidente, incêndio, catástrofe, visita de um governante ao distrito de Braga – eu ia cobrir o acontecimento.
Porque é que a RR, a partir de uma certa altura, deixou de apostar nas tardes/noites desportivas com emissão direta dos vários estádios da Liga? Por falta de verbas?
Não, não foi por falta de verbas, porque, na maioria dos jogos, só fazíamos três ou quatro intervenções por jogo, pelo que a despesa era rigorosamente a mesma! Foi uma diretriz diferente da RR, na minha opinião, mal… Na altura, toda a gente ouvia as emissões desportivas da RR, e não só, basta lembrar que o Despertar, de António Sala e Olga Cardoso, tinha 3 milhões de ouvintes.
Mas os tempos mudaram e, no presente, são poucos os jogos que se disputam ao domingo de tarde…
A dispersão de jogos obriga a um exercício muito grande e é muito complicado estar a abrir uma antena, cortar um programa e intercalar a informação para transmitir um jogo qualquer. Por isso, a RR só aposta nos jogos dos grandes… De resto, com o advento das redes sociais, que estão na mão de toda a gente, e com o fenómeno da televisão, as rádios perderem muito do impacto que outrora tinham.
Saiu da RR há cerca de seis anos. Costuma ser interpelado sobre essa fase de radialista?
Há muita gente que vem ao meu restaurante e pergunta… ‘O senhor é que era o António Trota que se ouvia na RR?´ [Trota] Foi o nome que escolhi por homenagem ao meu avô e à minha mãe, que são os Trotas… E, também, por ser um nome diferente, embora apareça com alguma frequência em Itália e Argentina. Recordo o argentino Trotta que atuou no Salgueiros, numa altura em que o Deco também jogava lá.
Quem acompanhava as emissões da RR lembra-se da sua voz a partir de vários estádios. Quer recordar estes tempos?
Fazia esta zona aqui [Braga], mas, por vezes, ia ao Bessa, a Vila do Conde, Varzim, a Leça e Leixões, equipas que estavam na divisão maior…
Qual o futebolista que mais o impressionou?
Jogador? Entre os portugueses, foi o Rui Costa… Era um jogador fabuloso, só não teve a sorte de jogar no Barcelona ou no Real Madrid… Quando chegou ao AC Milan, já estava na parte final da carreira. Depois, há o Figo, fantástico, e o Ronaldo, que é um caso à parte. Mas também realço o Valdo, o Deco, o Pablo Aimar, um “mago” da bola…
E, no meio dos vários agentes do meio, houve alguém que se tenha destacado pela elevação que mantinha com a comunicação social?
Sempre tive uma excelente relação com todos os dirigentes e treinadores que passaram por Braga, Gil Vicente ou Guimarães… Recordo-me do Quinito, do Vítor Oliveira, que vai subir pela nona vez uma equipa à 1.ª divisão, do Diamantino, do Carlos Manuel, do Manuel Cajuda, do António Oliveira, o próximo presidente do Porto, digo eu… Sempre tive uma excelente relação com todos.
Naquela altura, a rádio era muito unida, também fiz laços com colegas de outras rádios, pois existia muita camaradagem e muito respeito. Também havia, claro, uns qui pro quo, sofri pressões e cheguei a ter o carro vandalizado e saí, por vezes, do estádio sob escolta policial. As massas são complicadas, porque estas entendem que os jornalistas têm influência no jogo, e não têm… Os jornalistas apenas relatam factos e emitem opiniões.
A sensação que se tem é que a qualidade do meio jornalístico regrediu. Concorda?
Completamente.
Em que é que isso se reflete?
Falando em termos gerais, acho que as questões económicas comandam tudo num jornal ou numa rádio, e os grandes grupos têm a tentação de controlarem a comunicação social. Hoje, a comunicação de massas é quase toda controlada ou controlável. Não há hipótese, pois todo o poder (político e económico) exerce pressão. Já, antigamente, havia uns laivos…E, depois, é terrível estar numa rádio local, que depende da câmara, da publicidade… Você liga para lá para confirmar uma notícia e recebe pressões para não publicar, porque, se o fizer, deixa de ter publicidade. Há, portanto, uma subversão dos critérios jornalísticos.
Acha que a rádio vai resistir ao poder da Internet (e da televisão)?
Não vai ser fácil, mas penso que sim, pois a rádio, embora esteja a perder audiência, ainda faz todo o sentido. E há programas, como a Bola Branca [RR], que vão perdurar pelo tempo fora.
Trocou o jornalismo pela restauração. Porquê?
Foi por uma questão familiar… Por causa da doença de uma pessoa da família. Foi por isso que deixei a rádio.
Fê-lo com mágoa ou foi uma decisão ponderada?
Foi uma decisão ponderada! Não estou, rigorosamente, nada arrependido.
Se fosse convidado para voltar às lides radiofónicas, ponderaria regressar?
Não, de todo! Foi um caminho que percorri e que gostei de palmilhar… Trabalhei, provavelmente, na melhor rádio de Portugal, com profissionais fantásticos, guardo isso com muito carinho. Aliás, já tive dois convites [para voltar à rádio], mas recusei-os.
Em que medida é que o jornalismo contribuiu para se virar para a restauração?
A experiência na rádio ajudou-me muito a lidar com o público. Sou uma espécie de relações públicas. No fundo, gosto disto, embora seja bastante trabalhoso.
Onde é que se situa o restaurante Trotas? E o que se pode comer aí?
Fica no Largo Senhora-a-Branca. Aqui, pode comer um bom joelho de porco, lombo de carne da raça minhota… Para momentos especiais, fazemos cabrito e papas de sarrabulho. Quem vem gosta e volta.
Braga tem conhecido um grande impulso em termos de visitação. Como é que é viver em Braga?
Braga é uma cidade agradável e tem vindo a crescer paulatinamente. Aliás, todo o distrito de Braga. E a Universidade do Minho tem contribuído bastante para isso.
Voltar a Vilar de Suente em definitivo está dentro das suas cogitações?
Para já, está completamente fora de questão. Tenho um sonho… Gostava de estar com mais tempo, de ir lá com mais frequência e gostava de intervir mais.
Com que regularidade vem a Vilar de Suente, a sua terra-natal?
Antigamente, ia lá com muita regularidade. Hoje em dia, vou menos vezes do que devia – vou lá de dois (três) em dois (três) meses.
O que é procura nos retiros por Vilar de Suente?
Procuro memórias. Quando vou lá, lembro-me de coisas do antigamente, do Natal, da Páscoa, das festas locais, pois participava em quase tudo e a minha Terra diz-me muito. Aliás, por exemplo, decorei o meu restaurante com fotografias de Soajo…
A propósito, como é que olha para Soajo?
Soajo é fantástico, tem tudo, mas merece mais! Com o fenómeno da emigração, as pessoas vão à procura de melhores condições de vida, era preciso gerar emprego para que os soajeiros não tivessem necessidade de sair. Vejo pela minha aldeia que não há quase jovens. A gente que existe é de idade avançada.
Qual o caminho para mudar de rumo fixando população e atraindo gente jovem?
Soajo só tem um caminho: o turismo. É dos poucos caminhos que podem ajudar a alavancar Soajo, que já foi concelho… Soajo não é uma terra qualquer, mas falta gente e, sobretudo, jovens…
Soajo tem muito potencial turístico, todos o reconhecem, mas ainda não existe no terreno uma empresa de animação turística. Como é que explica este paradoxo?
Não sei… As acessibilidades até não são muito más, mas hoje em dia há a mania de concentrar investimentos nos parques industriais… E, no entanto, há nichos de mercado, como o fumeiro, mas as regras são tão apertadas que os empreendedores acabam por desmobilizar.
E, também, entendo que o Parque Nacional da Peneda-Gerês não fez quase nada por Soajo. O Parque sempre funcionou como um entrave, nunca proporcionou nada de bom às populações, nem tão-pouco foi uma alavanca para o território.
Quem é quem
. Nome: António Trota dos Santos
. Local de nascimento: Vilar de Suente
. Data de nascimento: 5/10/1962 (53 anos)
. Habilitações académicas: 12.º ano
. Percurso na rádio: Rádio Braga (1984); RTM (1990-1991); RR (de 2 de maio de 1991 a 30 de março de 2010)
. Áreas: Informação, embora mais vocacionado para o desporto
. Situação atual: Gere o Restaurante ‘Trotas’