A Feira das Artes e Ofícios Tradicionais (FAOT) atingiu, este ano, a maioridade (18.ª edição), mas ainda não foi desta vez que a organização deu um “salto” qualitativo em termos de negócio e inovação, segundo confidenciaram a este blogue vários expositores. A maioria destes quer o evento em agosto para fazer o negócio que não se faz em julho sem os emigrantes, os quais bem gostariam de ter visto a exposição “Soajo, o Tempo e a História”, sem dúvida o melhor que o cartaz ofereceu de 21 a 23 de julho.
Como noutras FAOT, o sentimento de pertença à Terra repercutiu-se na música de raiz popular, que atraiu muito público (essencialmente à noite), nos produtos de base local/regional e, acima de tudo, na magnífica exposição montada pelo Rancho Folclórico das Camponesas da Vila de Soajo. Mas o concorrido programa de animação noturna pouco rendeu ao negócio (não correu de feição à maioria dos expositores), frustrando a antevisão do presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), que presidiu à cerimónia de abertura.
De resto, na ronda feita pelos cerca de trinta expositores instalados no recinto, Melchior Moreira vaticinou que os aderentes “não iriam ter mãos a medir” na feira, mas a mensagem de confiança contrastou com o balanço feito pela maioria dos aderentes no domingo à tarde, como a seguir se verá.
Aliás, provavelmente por influência da excessiva "onda" de otimismo, alguns dos números que o presidente do TPNP desfiou no salão de S. José, do Centro Social e Paroquial de Soajo, para certificar o impulso turístico ocorrido neste concelho desde 2012, não primaram, objetivamente, pelo rigor técnico, conforme cruzamento de dados fornecidos pelo INE, resultando, daí, uma visível sobreavaliação da taxa de crescimento (de dormidas, por exemplo).
“Tem-se assistido a um crescimento extraordinário no município de Arcos de Valdevez. […] Passámos de 20 mil dormidas em 2012 para 50 mil em finais de 2014, e tivemos um crescimento ainda mais redobrado, em cerca de 20 mil dormidas, de 2014 para 2015, o que quer dizer que fechámos o ano de 2015 com 67 mil dormidas, ou seja, de 2012 a 2015, crescemos 561% [com base nas referências do INE, o crescimento é, rigorosamente, de 335%, e não de 561%]”, sobrestimou Melchior Moreira, que devolveu o “convite amigável” feito pela edilidade arcuense com um discurso extremamente politizado (ou propagandístico?) para vangloriar a ação do Município arcuense na área do turismo, encerrando a sua intervenção com uma apressada alusão aos agentes do setor, na prática, estes sim, os grandes artífices do boom turístico.
Mas João Manuel Esteves já tinha dado o mote ao entrar numa deriva que não ajuda à credibilização da classe política, quando, conforme as suas conveniências, esticou ou minguou os registos relativos à visitação na Loja Interativa de Turismo (LIT) de Soajo. “De agosto a dezembro de 2016, entraram na LIT 2 mil e tal pessoas [na realidade, houve 2870 visitas], e, de janeiro a maio [deste ano], já tinham passado, lá, 3500 ou 3800 pessoas [rigorosamente, 3228 entradas], o que quer dizer que o turismo está a crescer [no caso, 12,7%]”.
Com tantos números “maquilhados”, até se podia esperar que, por contágio, a FAOT, viesse a ter este ano uma edição para recordar. Mas não foi nada disso que aconteceu. A mostra de ofícios e artesanato (os vários artesãos das famosas miniaturas de espigueiros, etc., deixaram de comparecer), que era a razão de ser do certame, teve este ano uma participação bem reduzida.
Também escassearam os produtores de vinho, mel, licores, compotas, queijos, ervas aromáticas e, até, as “barracas” de alimentação (no prato) e derivados se fizeram notar pela reduzida presença. “Vendi três vezes menos queijos do que nas edições de agosto”, desabafou um desolado expositor.
Os saberes e sabores gastronómicos resumiram-se, praticamente, a cinco ou seis “tasquinhas” instaladas no Eiró (cujo recinto decorado com carros de mato e de lenha lembrou aos presentes de onde vem o povo soajeiro). Foram degustados, aí, alguns dos típicos produtos da endogenia, casos do presunto, chouriço, pão-de-ló e doces, sem esquecer a gastronomia caseira (pataniscas, rissóis, bolinhos de bacalhau, bifanas, panados e caldo-verde). Este formato, que, segundo a organização, privilegiou o espaço de “tasquinha”, aliado à novidade do parque de recreio, a pensar no público infantil, apesar de bem-intencionado, não conseguiu gerar mais movimento nem “reter” as pessoas mais tempo no recinto.
Ao invés, ajudaram a criar um ambiente de festa os Minhotos Marotos, as rusgas (13 ao todo), o folclore (ranchos de Vilarinho das Quartas, S. Jorge e Santa Cristina de Longos (Guimarães)), os cantares ao desafio e a Bandinha da Alegria. No que respeita à programação cultural ainda, é justo destacar, também, a apresentação do livro Cartas de Amigo e Malviver (de Manuel Rodas), coletânea de 63 cartas, quase todas dominadas pelo sentimento de saudade.
Mas o “número” que mereceu mais elogios do público ficou a cargo do refundado Rancho Folclórico das Camponesas da Vila de Soajo, que organizou, no antigo edifício da Câmara, a exposição “Soajo, o Tempo e a História”. Pela riqueza de pormenores (apetrechos e usos ancestrais como o crucho, o fiar da lã, o louceiro, os enchidos fumados, o penico, os trajes, os tamancos, a cesta de merenda, com chouriço, bacalhau e broa…), pela descrição da típica casa de lavoura (cozinha, lareira, quarto…) e pela sugestiva galeria de fotos do famoso António Neto, o público que visitou esta exposição fez uma “viagem” pelo passado, engraçando com autênticos “tesouros” que marcam o espírito da Terra e fazem jus ao seu elevado valor sentimental.
A inauguração do espaço, cheio de “alma”, superou as melhores expetativas e reservou uma boa surpresa para todos. A exibição do Rancho, com várias gerações misturadas (incluindo crianças bem ensaiadas), permitiu recuperar memórias à volta de letras bonitas e cheias de tradição (paradoxalmente, no ano em que se voltou a introduzir algum cariz “tradicional” à feira, decidiu o Município remover o T, de “Tradicionais”, da marca FAOT…).
No balanço da 18.ª edição, sobra a certeza de que a mostra do “bom que Soajo faz e tem”, como a ela se referiu o presidente da Câmara, caiu, irreversivelmente, numa fase de estagnação sem reversão à vista. Para evitar futuros falhanços, a organização não faria mal em reunir os expositores, pois chegaria rapidamente a várias conclusões, tantas são as opções de discutível eficácia. Desde logo, a data de realização da FAOT. A grande vaga de emigrantes só começa a chegar no derradeiro fim de semana de julho e é o poder de compra deles que pode fazer a diferença no negócio. “Se a feira não voltar ao calendário antigo [agosto], não participo mais aqui”, sentenciou um artista arcuense que é presença habitual neste evento, opinião corroborada por muitos outros.
A falta de inovação (a animação feita por soajeiros já vinha de trás) e a reduzida diversificação dos motivos de interesse (nada de oficinas, demonstrações ao vivo, palestras ligadas ao mundo rural, provas de produtos, concursos…) comprometeram, de igual modo, o relançamento da feira, que também nada tem vindo a ganhar com a apresentação tardia do programa.
Por outro lado, os grupos de bombos, que outrora serviam (apenas) para anunciar a festa, têm agora a seu cargo o entretenimento em boa parte do tempo, transformando o Largo do Eiró numa caixa-de-ressonância com fartas manifestações de incomodidade, devido aos decibéis desproporcionados (quatro grupos de bombos no alinhamento é um exagero). Resultado: poluição sonora que o turista abomina e, claro, alguma dispersão de público. Pelo contrário, a Bandinha da Alegria (música popular) conseguiu “agarrar” o público e os calorosos aplausos são exemplificativos dos gostos da assistência, que quer mais música e menos estrépito.
Entretanto, o maior realce, pela positiva, é que a edição 18 lançou a "semente" para o futuro museu etnográfico de Soajo.
A organização da FAOT, que teve apoio do Município arcuense, emparceirou a ARDAL-Porta do Mezio, a Junta de Freguesia de Soajo, o Rancho Folclórico das Camponesas da Vila de Soajo, a Casa do Povo de Soajo, o Rancho Folclórico de Vilarinho das Quartas e o Centro Social e Paroquial de Soajo.
Citações
“Soajo, em termos de ícone de promoção turística, é, claramente, uma pérola dentro do Parque Nacional”. […] Temos necessidade de aumentar a estada média do turista na região, quem vem aos Arcos tem de permanecer mais do que um dia, as taxas médias de ocupação atingiram no ano precedente, pela primeira vez, uma taxa de 50%, que é uma taxa de equivalência em relação à taxa média na região do Porto e Norte de Portugal”.
Melchior Moreira, presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal)
“Estas mostras visam valorizar os produtos e os serviços que temos, assim como dinamizar e promover o que fazemos (gastronomia, alojamento e animação turística). Este é um espaço para estimular o aparecimento de novas ideias e novos negócios, estabelecer novas oportunidades para aproveitar os recursos que temos transformando-os em produtos [com valor acrescentado].”
(João Manuel Esteves, presidente da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez)
“A Junta de Freguesia inaugura hoje a 18.ª edição da FAOT. É uma iniciativa que muito tem contribuído para divulgar Soajo, os seus produtos, a gastronomia, as paisagens, o clima… Tem sido muito importante devido ao grande número de pessoas que comparece e valoriza muito a nossa terra”.
(Manuel Gomes Capela, presidente da Junta de Freguesia de Soajo)
“A Feira tem novidades que são de registar, nomeadamente a animação feita por soajeiros e em respeito pela cultura local”.
(Pedro Teixeira, coordenador da ARDAL)
Fotos: Soajo em Notícia e Joaquim de Jesus Neto