O Rancho Folclórico da Associação Cultural e Desportiva dos Amigos de Vilarinho das Quartas está a um pequeno passo de pertencer à Federação do Folclore Português. O júri do Conselho Técnico Distrital ficou, completamente, rendido à apresentação etnográfica do grupo soajeiro no passado dia 4 de fevereiro (domingo). Fruto desta atuação de luxo, os quatro jurados emitiram parecer favorável ao Conselho Técnico Nacional, que, dentro de poucos meses, deverá federar o grupo soajeiro.
Depois do momento formal de apresentações, com o diretor do Rancho, Ruben Coelho, a fazer as honras da casa, um grupo de mulheres abriu o “exame” com o típico serão soajeiro em torno dos ofícios artesanais, acompanhados das expressões características da Terra (os chamados “regionalismos”) e do canto à capela. As brincadeiras da miudagem foram um “número” introduzido nesta representação pelo Rancho, mesmo não fazendo parte das práticas etnográficas originais, como bem explicou Ruben Coelho.
Feito o serão na sala da Associação de Vilarinho das Quartes (decorada a preceito com trajes e diversa estúrdia), o grupo recheou a atuação com uma bonita sequência de modas (danças) e de cantares tradicionais: “Modinha Começada", “Modinha de Soajo", "Salto de Soajo", "Caninha Verde Soajeira" (passada), "Serrinha" (vira passado) e "Coxa". Posteriormente, no momento de interação com o júri, a pedido deste ou sob iniciativa do Rancho, foram ainda desfiadas “cantigas” como "Senhora da Peneda", "S. João" e "Sachadeiras".
Com rasgados elogios ao espetáculo que entrecruzou danças, cantares, trajes e representação, o Conselho Técnico Distrital não conteve a emoção com a expressão do grupo que canta e sente genuinamente como se fazia dantes. “A maneira como aquela senhora canta e como ela sente faz lembrar a minha avó!”, exclamou, emocionada, uma jurada a lacrimejar.
De resto, pelos quatro jurados, foi destacada a importância das “pessoas mais velhas na transmissão da cultura dos nossos antepassados, por isso, quando morre um velhinho de noventa anos, desaparece com ele uma história de vida”, soltou a monçanense Elisa Alves, presidente do júri, sobre o saber inesgotável da nonagenária Ti Ana.
Também foi realçado o trabalho de pesquisa feito pelo Rancho e a preservação dos trajes tradicionais em respeito pela cultura popular soajeira. “Não é a mesma coisa usar um traje típico de lã ou comprar um traje vulgar nos Arcos. E a Federação procura, justamente, grupos que representam na íntegra os costumes do povo”, reforçou a também diretora do Grupo Folclórico das Lavradeiras de S. Pedro de Merufe (Monção).
Uma vez realizada a prova com distinção, o Conselho Técnico Distrital encarregar-se-á, agora, de elaborar o respetivo relatório (muito positivo e com curtíssimo plano de melhorias), que será encaminhado para o Conselho Técnico Nacional, enquanto o Rancho de Vilarinho tratará do dossiê técnico-digital na qualidade de aderente, para que este mesmo Conselho Nacional, mediante a avaliação do processo, possa decretar a adesão do Rancho de Vilarinho como membro efetivo da Federação do Folclore.
O que é federar um rancho/grupo folclórico?
O Rancho Folclórico de Vilarinho das Quartas será, tudo indica, o segundo grupo do concelho de Arcos de Valdevez a engrossar as “fileiras” da Federação do Folclore Português (o Rancho Folclórico das Lavradeiras de S. Pedro do Vale é, atualmente, o único federado de Arcos de Valdevez). No distrito de Viana do Castelo, há apenas 13 ranchos/grupos com este estatuto.
Mas o que é federar um grupo? “É fazer com que ele pertença ao organismo que é a Federação do Folclore Português. Ou seja, quando um grupo é representativo da cultura do povo onde está inserido, e se o mesmo pretender fazer parte daquela grande instituição, federamos o grupo”, disse ao blogue Soajo em Notícia Elisa Alves, jurada do Conselho Técnico Distrital.
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Entrevista com Elisa Alves, do Conselho Técnico Distrital
“Atribuo uma classificação de 17 valores ao Rancho de Vilarinho das Quartas”
De que é que mais gostou da atuação do Rancho Folclórico de Vilarinho das Quartas?
Gostei de tudo: das danças, do falar típico de Soajo, dos trajes (com destaque para os três de lã), da representatividade que eles encerram e, sobretudo, do canto à capela, que poucos grupos fazem e que é algo que temos de preservar. Este canto valoriza muito o espetáculo. O Rancho de Vilarinho das Quartas está, por isso, de parabéns.
Que aspetos propõe de melhoria?
Não há muito a melhorar, porque o grupo está bastante bom e revela grande qualidade. Apresentámos alguns aspetos a considerar no trajar, no calçar e na representatividade, mas nada de muito significativo.
Numa escola de 0 a 20 valores, que nota atribui ao Rancho de Vilarinho?
Atribuo uma classificação de 17 valores.
Tem, portanto, ainda um pequeno espaço de aperfeiçoamento?
Sim, há um espaço para melhorar, porque nunca podemos considerar que estamos no 20 ou no ponto máximo, temos é de ter ambição para melhorar e querer ir mais além.
Agora resta, praticamente, trabalhar o processo técnico-digital. De que se trata?
Este dossiê técnico de que tanto falámos e que requeremos aos grupos servirá de suporte ao Rancho e constará dos ficheiros da Federação do Folclore Português. Imaginemos que, daqui a uns anos, este grupo acaba, ora, mais tarde, qualquer pessoa pode pegar nesse instrumento e relançar o grupo tal qual como ele está hoje, permitindo recuperar toda a recolha e todo o trabalho que foi feito pelo grupo.
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Entrevista com Ruben Coelho, diretor do Rancho de Vilarinho das Quartas
“Ser federado valoriza e credibiliza o Rancho”
Como e quando é que surgiu a ideia de federar o Rancho Folclórico?
A ideia surgiu pelo trabalho que temos desenvolvido. O nosso tipo de atuação e de pesquisa enquadra-se dentro dos parâmetros daquilo que a Federação procura, portanto, a defesa da cultura tradicional do povo português, neste caso, do povo soajeiro.
Tendo em conta que fazemos essa defesa e que fazemos essa procura, surgiu a ideia de nos associarmos à Federação do Folclore Portuguesa.
O que é que o Rancho tem a ganhar com esta adesão?
Sendo um grupo federado, obviamente que a nível de credibilidade e do trabalho apresentado, o Rancho sairá valorizado.
Do pouco que falta para o Rancho ser um grupo federado, podemos dizer que se trata de um pró-forma?
É essa a nossa ideia [risos], sim, e temos trabalhado nesse sentido. O nosso grupo, quando foi criado, também foi um bocadinho no sentido de seguirmos essa linha. Obviamente que as coisas têm as suas dificuldades, tal como uma estrada não é só reta, tem curvas… Acho que este ano chegou o momento e, por isso, quisemos dar o salto.
Quantos elementos tem no ativo o Rancho de Vilarinho das Quartas?
Somos 47, salvo erro. É um grupo misto.
Quer explicar a sugestão da jurada Elisa Alves a propósito do “aumento da representação feminina”?
Não foi bem o aumento da representação feminina, aliás, acaba por ser um bocadinho… No quadro etnográfico que apresentámos inicialmente, os serões eram feitos por mulheres, novas e velhas. No nosso caso, o maior número foi apresentado depois, à chegada do serão, e o serão era só, e apenas exclusivamente, feito por mulheres. Portanto, fazia mais sentido no quadro inicial haver mais mulheres. Mas, como expliquei, não foi possível fazer isso aqui, até porque, nessa eventualidade, teríamos de apresentar uma variedade de trajes e de danças. E não poderíamos ter todas as mulheres com trajes de trabalho no serão. Foi somente por causa disso.
Como foi preparada esta apresentação etnográfica em que o grande mentor foi Ruben Coelho?
Fui eu que tive a ideia, mas todos somos mentores, até porque não invento nada e bebemos de informação através do povo mais velho. Ou seja, fui eu que ajudei a orientar, mentores somos todos.
Do lado de fora sobressai um compromisso muito forte do grupo. Tal é fruto do carisma do diretor?
Não sei se tenho carisma, sei que passo confiança e responsabilidade às pessoas. Tenho de ser tão ou mais responsável do que eles. A partir do momento em que passo essa responsabilidade, acho que tenho todo o respeito das pessoas que aqui andam.
Como é que consegue este registo?
Temos de lidar como se fôssemos uma família. Há uma voz que orienta, mas todos somos iguais. Não mando mais nem menos, simplesmente oriento da melhor forma possível. E dá gosto vir aos ensaios ao sábado ou fazer saídas dentro e fora do concelho. É graças a isso que temos tido a adesão de muita gente, de todas as idades.
A mescla de experiência e juventude é, precisamente, um ponto forte do Rancho e esta simbiose foi sobejamente elogiada pelo júri…
Sem dúvida. O grupo vive dos mais jovens, são eles o futuro do grupo, e dos mais velhos, que são um poço de saber.
Que idades têm o benjamim e o ancião do Rancho?
O mais novo é o meu filho, Francisco. Tem três anos. A mais velha, com noventa, é a Ti Ana.
Há espaço para ter dois ranchos de grande nível em Soajo?
Acho que sim e não é assunto que me incomode. Já disse várias vezes, estou perfeitamente disponível para ajudar no que quer que seja. Não deve é haver espaço para a rivalidade que existe atualmente. Não sei de que lado vem, acho que é muito fomentada pelas pessoas de fora. O problema é mais esse, não propriamente entre os grupos.
O Rancho Folclórico de Vilarinho das Quartas esteve em franca atividade em 2017. Quantas atuações fez o grupo ao todo?
Fizemos muitas atuações. Por volta de trinta. Este número vai aumentar em 2018.
Em que medida este dado reflete o vosso crescimento?
Diz muito da responsabilidade que temos tido às tradições soajeiras. Isso é o mais importante. Quando vamos pelo grupo, não é porque dançamos bem ou porque vestimos bem, é porque representamos bem aquilo que é o povo soajeiro.
E qual o retorno que tem obtido?
Temos tido um bom retorno e um reconhecimento do público de fora da nossa terra (e também da nossa terra). E daí a intenção de nos federarmos também.
Como é que vê a política de protocolos municipais que atribui o mesmo montante a um grupo com reduzida atividade e a outro com grande número de realizações?
É o protocolo da Câmara, se calhar, não sou tão de acordo com ele, mas nada podemos fazer em relação a isso.