“Atravesso o lugar da Várzea e não encontro vivalma”
Se há aldeias isoladas que arriscam cair no esquecimento, a Várzea é uma delas. Com mais portas fechadas do que habitantes, este idílico lugar de Soajo está quase esvaziado de pessoas e sem esperança no futuro, dado o envelhecimento populacional e a falta de oportunidades para construir uma vida sem direito a serviços de proximidade.
Quem atravessa a estrada de baixo (estreita, sinuosa e desprovida de guardas de proteção) rumo ao lugar da Várzea não tem como não reparar no cenário desolador que vislumbra ao redor: no sopé da encosta avistam-se as antigas veigas agora descobertas pela acentuada descida do volume de água na albufeira, que se apresenta com menos de 18% da sua capacidade total de armazenamento. “A albufeira está quase sem água, não me lembro de alguma vez ter estado tão baixa como agora”, diz dona Rosa, uma versão que o senhor Costa confirma em pleno.
Apesar de ser um motivo de atração turística para os grupos de caminheiros que percorrem o Trilho da Mistura das Águas (assim como de nostalgia para quem trabalhou e viveu da terra antes da construção da barragem), a atual situação de baixa reserva hídrica ameaça tornar-se um problema muito severo caso a chuva continue a tardar.
Mas a descaracterização do património também não deixa ninguém indiferente mal se chega ao largo fronteiro ao terminal do lixo. Aí, o mais vistoso aglomerado de espigueiros que embeleza(va) o núcleo rural da Várzea é, agora, uma ruína com mato crescido à volta, sinal do abandono a que foi votada esta aldeia com paisagens que mais parecem tiradas de um bilhete-postal.
Atualmente, na aldeia da Várzea moram apenas 22 pessoas e as casas devolutas são em muito maior número do que as habitadas. “Daqui a semanas, seremos ainda menos, talvez 11 ou 12, porque vários dos atuais residentes vão passar o Natal a casa dos familiares que vivem no estrangeiro, sobretudo em França e em Andorra”, conta Rosa, de 67 anos, que ocupa os dias no maneio da horta e do rebanho de dez ovelhas.
A emigração é, na opinião dos habitantes, a principal razão do despovoamento e do envelhecimento da população. “[Devido ao êxodo de várias gerações para o estrangeiro], faz muitos anos que não nasce um bebé na Várzea!”, exclama Rosa. Em sintonia, a vizinha Olívia reforça que “quem nasce fora não está ligado à terra e para aqui não vem”.
Além da falta de pessoas, a Várzea está despovoada de equipamentos, desde logo a escola primária (telescola) que foi encerrada há mais de trinta anos. “Agora, não há nada, nem café, nem mercearia… E a Casa do Povo também não está ativa”, atira Rosa, que, na ausência de qualquer atividade associativa, improvisa um espaço de convívio ao ar livre, semana a semana, com algumas conterrâneas, incluindo as suas duas irmãs.
A aldeia só está no roteiro dos partidos na altura das eleições, e, nesta circunstância, é a iniciativa privada que faz vingar o direito de a pequena comunidade viver no sítio a que se sente ligada.
“O padeiro (de Rouças e/ou de Paradela) vem quatro vezes à semana, o homem do peixe passa todas as sextas e o merceeiro ambulante às terças”, refere Rosa, acrescentando que o carteiro “só vem semana a semana quando tem um molhinho de cartas ou correspondência considerada prioritária”. De resto, os condicionalismos também afetam a Igreja neste aglomerado de fervor religioso que “só celebra missa de 15 em 15 dias”.
Uma realidade leva à outra e o sossego é algo que não falta neste lugar para quem pretende fintar o stresse da vida citadina, mas os residentes não contêm as emoções quando se fala de silêncio. “Ah, meu Deus, aqui o silêncio é demasiado… Atravesso o lugar, do fundo ao cimo, e não encontro vivalma”, desabafa Rosa. “Já estamos habituados a tudo”, responde o senhor Costa, antes de explicar a razão por que não vê “futuro nenhum na Várzea”.
“Você percorre o lugar e só encontra varas [cajados] nas portas (mesmo em casas onde não há animais) para as pessoas idosas se ampararem, porque já mal conseguem andar”, constata este antigo emigrante, de 81 anos.
A maioria do núcleo residente está na faixa dos 70 e mais anos, “o mais jovem tem 60 ou 61”. Usando uma das expressões típicas da serra de Soajo, Rosa diz que “todo o mundo vive da reforminha e as viúvas estão reformadas delas e dos maridos que andaram pelo mundo”.
Habituados, igualmente, a percorrer muitos quilómetros para fazer o que é preciso, os habitantes lamentam que não tenham outra alternativa que não ir aos Arcos para “tratar de assuntos que não podem resolver na vila de Soajo”, dada a falta de acesso generalizado a serviços de interesse geral, incluindo transportes públicos. Não admira, por isso, que dona Rosa “só muito raramente vá à vila soajeira” ou que o senhor Costa apenas se desloque aí “quando há feira”.
Potencialidades turísticas por explorar
Acreditava-se que a iniciativa transfronteiriça “Fronteira Esquecida”, em curso desde julho de 2019, com fundos europeus aprovados no âmbito do programa Interreg, pudesse dar um “empurrão” ao projeto de desenvolvimento da albufeira da Várzea, sucessivamente adiado por falta de verbas, mas, na prática, o Plano de Ordenamento das Albufeiras, prevendo a construção de um ancoradouro na Várzea, ainda não saiu da “gaveta”, a despeito de a bacia do Lima oferecer condições únicas para a prática de desportos náuticos, se a mesma fosse dotada das devidas condições infraestruturais.
Apesar da inércia e do imparável declínio da Várzea, há, ainda assim, quem aposte no restauro de casas com o objetivo de explorar o filão do turismo em espaço de natureza, ou, então, com o intuito de passar temporadas no lugar, talvez para contrariar o destino do “desaparecimento” que alguns habitantes vaticinam.
“Tem havido gente a procurar casa, falo designadamente de dois forasteiros (um de Ponte da Barca e outro de Ponte de Lima) que adquiriram imóveis, um dos quais para alojamento turístico”, revela o senhor Costa.
Muito embora ninguém queira construir vida em lugar isolado e ameaçado pelo esquecimento, admite-se, ainda assim, que, na condição de haver uma boa rede de comunicações eletrónicas, alguns turistas ou nómadas digitais possam dar algum ânimo à Várzea no futuro, mas viver aí em permanência já parece uma miragem…