Foi inaugurado, no passado dia 15 de agosto, o Centro Interpretativo e Etnográfico de Soajo (CIES) que funciona no edifício dos antigos Paços do Concelho (Largo do Eiró). O espaço – reabilitado e transformado num museu de preservação da “memória” soajeira – materializa uma ideia germinada localmente, há cinco anos, no âmbito da exposição “Soajo, o Tempo e a História” (inserida na Feira de Artes e Ofícios Tradicionais), permitindo ao visitante, com a ajuda de diversa tecnologia, identificar e interpretar os ricos elementos históricos, socioculturais, etnográficos e naturais de Soajo. Na sessão de abertura as emoções andaram à solta e algumas pessoas não conseguiram conter as lágrimas ao verem nos filmes familiares falecidos.
Nos discursos da praxe, logo após o descerramento da placa de inauguração, o presidente da Junta de Freguesia referiu que “o CIES, apesar de pequeno, contém muita informação sobre a história, a serra e as gentes de Soajo”, vincou Alexandre Gomes. Pegando na “deixa”, o presidente da Câmara Municipal salientou que “a iniciativa é, acima de tudo, um projeto para valorizar o património cultural e natural, assim como para vivenciar o legado histórico e difundir a essência e a identidade de Soajo, constituindo-se como um elemento difusor e catalisador de mais desenvolvimento para Soajo”, considerou João Manuel Esteves.
“Por isso é que este património testemunha o modo de vida ancestral, sempre pautado em harmonia com a natureza, e releva a importância de experienciar aquilo que de mais intrínseco existe em cada um de nós. Como bem dizia Jorge Luis Borges, ‘nós somos as nossas memórias’ e, quando as partilhamos, criamos memória coletiva. E esta é a parte mais interessante deste projeto, é a parte que dá coesão, que confere sentimento de pertença e que dissemina espírito de comunidade”, acrescentou o edil de Arcos de Valdevez.
O responsável técnico do projeto, Hugo Morango (diretor criativo da Folk & Wine), depois de enunciar o nome das pessoas que estiveram envolvidas neste projeto, sublinhou que o objetivo do Centro Interpretativo e Etnográfico não é oferecer um “espaço enciclopédico”, mas sim facultar uma “experiência não linear com o saber, a oralidade e a memória soajeira”.
A ver pelas reações gerais, o público soajeiro que fez questão de visitar o CIES no dia da sua abertura ficou completamente rendido ao projeto pela riqueza de pormenores (crucho original, Arca de Soajo…), pela recriação da cozinha da típica casa da lavoura e pela sugestiva galeria de trabalhos (fotográficos e vídeos), entre tantos outros pontos de interesse, permitindo uma “viagem” pelo passado e um contacto renovado com “tesouros” que marcam o espírito da Terra.
Este projeto – cuja fundamentação técnica assentou no entrecruzamento de diversas áreas temáticas (história, território/serra, etnografia e cozinha/casa…) – implicou um investimento global acima dos 160 mil euros, repartidos por obras de alteração, adaptação, montagem e capacitação de conteúdos.
Visita por dentro
O CIES, que contém fotografias, poesia e mensagens de texto bilingue (português-inglês) afixadas nas paredes, pode vir a ser o ponto de partida para uma evasão na natureza, possivelmente no âmbito de um (novo) circuito turístico-cultural, o qual até já foi equacionado numa Assembleia de Freguesia como uma “ideia mobilizadora para Soajo”.
Em termos sumários, o visitante que entra no espaço expositivo “mergulha” logo na componente ecológica (fauna e flora características da serra de Soajo); daí faz-se a ponte para a utilização da paisagem pelo ser humano no tempo rural (tradicional), o chamado “tempo dos antigos; segue-se uma vista do Largo do Eiró com uma explicação pormenorizada; posteriormente é destacada a parte histórica (com referência a locais emblemáticos, incluindo o recém-descoberto acampamento romano no Alto da Pedrada); depois avulta a etnografia, “o lado mais forte deste centro”. De referir que os quiosques da etnografia remetem para diferentes tópicos, nomeadamente a “emigração”, a “música”, “o fugir para casar”, os “bailaricos”… O novo espaço dá ainda amplo realce a um conjunto de tradições que fazem parte da identidade soajeira, como as maias, a divisão da água ou o Canto das Cruzes.
Noutro plano, o equipamento recém-inaugurado oferece um repositório de vídeos de arquivo (da Cinemateca, da RTP, do soajeiro António Neto (“Tenais”), da antropóloga francesa Colette, entre outros); dá ênfase ao relacionamento intemporal da comunidade com aqueles que já faleceram; e mostra, na grande vitrina, um crucho, um traje de noiva e um traje de trabalho. Complementarmente, existem quatro vitrinas para as quais os soajeiros são convidados a expor elementos sobre temas diversos, sendo que, neste momento, os escaparates estão ocupados com quatro peças cedidas temporariamente por conterrâneos.
No centro museográfico sobressai, igualmente, a “Arca de Soajo” contendo enigmas com supertemas: para aceder, por exemplo, ao tema “Música”, o jogador terá de resolver o problema, inserindo a resposta no ecrã, em caso de acerto, é possibilitado o acesso a um vasto conjunto de conteúdos – a ficha da Música tem oito vídeos com grupos de Soajo, existentes ou extintos, entretanto.
Quase no fim da visita são disponibilizadas quatro lendas do fantástico contadas por soajeiros (“Moura Encantada”, “As Feiticeiras do Mezio”, “A Procissão dos Defuntos” e “O Pito da Morte” como anunciador do falecimento de alguém), além da narrativa histórica (sentença) “O Juiz de Soajo”.
A experiência de visitação remata com a recriação da cozinha tradicional, onde avulta um vídeo com filmagens de António Neto recolhidas nos anos 80 do século passado, assim como um “caniço” em versão fotográfica com a ajuda de aplicativos digitais. Além disso, o espaço encontra-se apetrechado, entre outros elementos, com uma masseira (contendo um vídeo sobre o ciclo do pão), um borralho e uma cesta merendeira com a comida do dia-a-dia.