Exibição cheia de alma fez “ouvir cantadeiras de Soajo no coração de Lisboa” (fotorreportagem)
O espetáculo “Mulheres Fiadeiro/Fiadouro”, pelas cantadeiras de Soajo, que o Teatro Nacional D. Maria II acolheu no passado sábado, 17 de março, foi todo ele dominado pela emoção e pelo forte sentimento de pertença à Terra, com as protagonistas a prestarem uma sentida homenagem às tradições ancestrais de Soajo para que estas não caiam nunca no esquecimento.
Saindo de Soajo pela alvorada, o autocarro, com cerca de quarenta conterrâneos, de várias gerações (avós e netos…), entre cantadeiras, familiares e amigos, rumou a uma das mais afamadas salas da cultura portuguesa: o Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria II. Na “bagagem”, ia o rico legado das tradições etnográficas de Soajo. Na mente de todos, a certeza de que este era um dia importante para elevar o nome da Terra. E assim foi, como a seguir se verá.
A primeira paragem em Lisboa foi na seda da Casa do Concelho de Arcos de Valdevez, onde, em ambiente de franco convívio e alegre confraternização, a prestimosa coletividade serviu um autêntico banquete (deliciosas as entradas e a carne assada), a que não faltou o discurso emocionado quer do presidente da Casa, o anfitrião Joaquim de Brito (que é natural de S. Jorge e respeitado autarca na Junta de Freguesia de Marvila), quer do tesoureiro da Junta de Freguesia de Soajo, Fernando Gomes.
Foram bonitas as mensagens de felicitações e muito calorosa a recetividade, mas é devida, também, uma palavra de agradecimento à soajeira (de Vilarinho das Quartas) Palmira Coelho que, com a ajuda de algumas voluntárias, mostrou, de novo, os seus especiais dotes de cozinheira, para grande agrado dos 25 soajeiros que acompanharam as cantadeiras nesta deslocação a Lisboa. Enquanto isso, as protagonistas da tarde, por razões de protocolo, convergiram para outro local, onde foi servido o almoço custeado pela organização.
De barriga cheia, a comitiva seguiu para a Praça de D. Pedro IV (as cantadeiras chegaram ao Teatro D. Maria II a pé e a cantar desde o restaurante), onde, numa espécie de prelúdio, Sandra Barreira difundiu por todos a missão que o grupo de 11 cantadeiras carregava aos ombros. “Mostrar como eram os fiadeiros e [recuperar uma época em que] ainda havia tempo para trabalhar a lã, com a qual eram feitos aventais e mantas, assim como cantar […], por exemplo, ‘Um ai meu amor um ai’, […] tema tão característico do espírito soajeiro”, assim foi antecipado, com aplausos, o que estava para vir após o discurso de apresentações.
E, entretanto, o momento tão aguardado por todos naquela sala de cultura estava prestes a arrancar… Sentadas em confortáveis poltronas ou sofás, as cantadeiras, devidamente trajadas com roupas tradicionais, abriram o espetáculo com o tema do ‘Fiadeiro’ e reservaram para o fim a ‘Despedida’, bonita surpresa para os presentes, onde se incluíam muitos soajeiros radicados em Lisboa. Pelo meio, a exibição das 11 protagonistas, com várias gerações misturadas, permitiu recuperar memórias e letras bonitas à volta da tradição do fiadeiro como: ‘Tenho dentro do meu peito’, ‘Oh Soajo, oh Soajo’, 'Um ai meu amor um Ai’. ‘Falta-me a respiração’, ‘S. João’, ‘É do meu gosto’, ‘Linda Morena’, ‘O pelourinho’, ‘A travessa’ (Penteei o meu cabelo’) e ‘Minha mãe chamou por Ana’. E, à volta dos cantares do fiadeiro, com o tradicional ajuntamento de pessoas em redor (dezenas de soajeiros, e não só), também se recriou um pouco o fiar (com roca e fuso), o esguedelhar e o carpear da lã…
Quase no término da atividade, o curador Tiago Pereira (conhecido documentarista e realizador), depois de se regozijar pela apresentação de mais um espetáculo integrado no projeto “A música portuguesa a gostar dela própria”, naquele emblemático palco, convidou o público presente não soajeiro a visitar o território de onde chegou este grupo de mulheres para fazer a diferença.
No fim, sobrou a conclusão de que valeu bem a pena o extremoso apego a esta tradição soajeira, tão bem representada nesta mostra de temas, em cujos preparativos/ensaios as cantadeiras participaram com infinito denodo (e paixão) nas últimas (largas) semanas. Das muitas reações que foram postadas nas redes sociais no pós-espetáculo, o blogue filtrou as expressivas e eloquentes declarações de Fernando Gomes e de Sandra Barreira. “Ouviu-se Soajo em voz alta no coração de Lisboa. Gostaria de agradecer às nossas lutadoras que representaram os nossos usos e costumes com o seu coração e isso é o mais bonito que se pode mostrar. É a nossa realidade e o sofrimento! Obrigado a todos os que ajudaram a que isto fosse possível. […] Obrigado Soajo”, conclui o tesoureiro da Junta de Freguesia.
Sandra Barreira acrescenta: “A [grande] protagonista foi a tradição soajeira, muito bem representada pelo grupo que cantou e encantou todos os que estiveram presentes no Teatro Nacional D. Maria II. Foi pela voz [de 11 soajeiras] que ouvimos todas as mulheres de Soajo – as mães, as avós, as tias e as vizinhas; as dos lugares e as da vila; as que estão do nosso lado e as que já partiram; as mais velhas e as mais novas; as do passado, as do presente e as do futuro –, porque vamos continuar a cantar alto, mesmo quando faltar a respiração”.
Para que conste, o grupo que tão honradamente prestigiou Soajo foi constituído pelas cantadeiras Ana Domingues Gomes, Catarina Enes Pereira, Custódia Gonçalves, Emília Neto, Fátima Enes, Maria de Fátima Domingues Fernandes, Maria Gomes Moreira, Maria Luísa Sousa Gomes, Teresa Cerqueira, Teresa Fernandes e Virgínia Brito. A apresentação no Salão Nobre coube a Sandra Barreira.
A Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, que custeou o transporte, não se fez representar nesta iniciativa (agendada há meses) que engrandeceu Soajo, o concelho e a região.
Fotos: Soajo em Notícia e Teresa Araújo