Fruticultura: um “património por descascar” que pode ganhar campo de demonstração em Soajo
Foi apresentado, no passado dia 17 de fevereiro, em Soajo, o projeto RevitAGRI, tendo como fim recuperar e valorizar os setores produtivos tradicionais (fruticultura, apicultura, ervas aromáticas/medicinais e fumeiro) instalados no único Parque Nacional (PN). A sessão ocorrida na Casa do Povo foi subordinada às “espécies fruteiras” e lançou as sementes para o futuro campo de demonstração (ligado à fruticultura) que a entidade promotora quer erigir em Soajo.
Submetido e dinamizado pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), o projeto RevitAGRI tem em vista a “preservação do material genético, que é propriedade da região”, e a “valorização da (agri)cultura, da gastronomia e da paisagem, […] um legado que deve ser encarado como um (em)préstimo aos nossos netos”, disse Raúl Rodrigues, professor que leciona na Escola Superior Agrária (ESA), do IPVC.
Segundo a diretora da ESA, Ana Paula Vale, e a técnica Áurea Gomes, nesta etapa de desenvolvimento, “decorre a fase de mapeamento das empresas sediadas nos limites geográficos do PN”. Este trabalho pressupõe a “recolha de entrevistas e de imagens, com identificação de problemas/ameaças existentes, a partir de uma análise SWOT, para provável alojamento em geoportal do diverso manancial informativo que dele resultar”.
Comparando com outros modelos de organização visitados em zonas protegidas, caso de Espanha, ou a visitar (Itália e Suíça), a diretora da ESA tem a perceção de que “ainda temos muito de pedalar face ao que existe nesses países, onde há uma forte dinâmica e uma grande capacidade de inovação”.
Mas há ideias e investimentos para encurtar distâncias. “É nosso objetivo criar um campo de demonstração em Soajo na área da fruticultura, com muitas das variedades de macieira e de pereira que têm sido recolhidas para o público visitar e perceber as diferenças”, adianta Ana Paula Vale.
Sobre o “rico património frutícola regional” refletiu Raúl Rodrigues. “O conde de Bobone [engenheiro agrónomo] editou, em 1914, uma brochura acerca da fruticultura no Vale do Lima, onde referenciava 48 variedades de pereira, 61 de macieira e 11 de cerejeira”, citou.
A cultura da macieira tem vindo, porém, a regredir e com “tendência para o desaparecimento”, alerta Raúl Rodrigues. Apesar disso, “na zona de Arcos de Valdevez, ainda temos diversas variedades de maçã: vinho-dos-Arcos, focinho-de-burro, carne-de-burro, porta-da-loja, cu-de-burro, galho-tenro, galho-mole e uma série de camoesas…”, enumerou o investigador ao blogue Soajo em Notícia.
É o saber ancestral das gentes locais que, misturando tradição, montanha e meio, faz a diferença. “Devido ao clima, o potencial dos produtos está limitado a determinadas zonas. E os agricultores sabem disso. Onde é que estão as fruteiras? Como se vê aqui, nas proximidades da Casa do Povo de Soajo, é onde houver oliveiras. Os nossos antepassados colocavam as laranjeiras na parte sul debaixo das oliveiras para que estas protegessem os citrinos dos ventos gélidos que vinham (vêm) da Galiza na altura da floração”.
Mas, para além das referidas espécies e variedades de fruteiras cultivadas nesta freguesia, Raúl Rodrigues identificou outros produtos de grande potencial em expansão. “Há os mirtilos ou as compotas para vender aos turistas […] e, para as zonas de várzea, o kiwi é uma cultura que dá dinheiro. O quilo está a ser liquidado aos produtores entre 85 cêntimos e 1 euro (sobre o produto entregue). O Alto Minho representa cerca de 30% (e o Minho 75%) da área total de produção nacional, que é de 2200 hectares”, explicou Raúl Rodrigues, muito interessado em “descascar o património frutícola” ainda por explorar na região.
No melhor dos prazos, só em maio de 2019, quando encerrar o projeto iniciado há dez meses, é que se verá se esta iniciativa trouxe valor acrescentado, valorizou o potencial endógeno, fixou mais alguns empreendedores na região e conseguiu potenciar o desenvolvimento à volta das fileiras do agronegócio.
Depoimentos
. Raúl Rodrigues (professor da ESA): “O RevitAGRI visa dar força e visibilidade aos pequenos produtores […] para contrariar o absolutismo do mercado livre em que as grandes distribuidoras ditam o consumo. […] Os produtos que consumirmos têm de ser provenientes da nossa região”.
. Áurea Gomes (técnica do projeto RevitAGRI): “Infelizmente, não há muitas empresas ligadas ao agronegócio na área do PN. A maioria dos projetos emergentes diz respeito à agropecuária. Já o setor do mel apresenta uma dimensão muito pequena, mas tem muito potencial”.
. José Manuel Pires (professor da ESA): “O impacto da vespa-asiática na produção de mel é muito grande, mas este flagelo vai para além da apicultura. A vespa destrói a população de abelhas e a redução desta no ecossistema é cada vez mais visível. É urgente reforçar o trabalho colaborativo das entidades que operam na destruição dos ninhos de vespa-asiática”.