Pertence a uma geração que quer transformar sonhos em realidade, está a trabalhar em dois projetos de investigação e, na área de maior enfoque, a neuroimunologia, mostra-se muito empenhado em apurar o “conhecimento sobre a estreita e essencial relação entre os sistemas imunitário e nervoso".
É licenciado em Biologia Aplicada, mestre em Ciências da Saúde e acaba de ser um dos nove selecionados para o programa doutoral inter-universitário em doenças crónicas e envelhecimento. Tem 24 anos, é natural de Soajo (Vilarinho das Quartas) e chama-se João do Canto Gomes.
Quem é João do Canto Gomes
. Tem 24 anos
. É licenciado em Biologia Aplicada e mestre em Ciências da Saúde.
. Tem uma lição/lema de vida: "a educação é a forma mais sensata de cultivar a tolerância, induzir a paz, quebrar os preconceitos e acabar com a ignorância”.
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Onde e quando é que começou a ter um especial fascínio pela ciência, no caso específico pela neuroimunologia? Por outras palavras, quando é que teve o clique, “agora vou estudar neuroimunologia”?
Para ser honesto não consigo especificar algum momento particular em que o fascínio pela ciência me tenha sido suscitado. Recordo-me que, já em criança, tinha um particular fascínio por vírus e doenças infeciosas e pelo sistema imunitário e sabia que era isso que um dia mais tarde gostaria de estudar. No fundo, penso que o amor pela ciência sempre esteve e continua a estar presente. O clique para estudar neuroimunologia foi fruto do acaso por acaso. Após ingressar no mestrado em Ciências da Saúde e cumprir a componente letiva, foi-me requerida a escrita e apresentação daquilo que seria o trabalho a desenvolver durante a minha tese. À época, tinha a intenção de dar seguimento ao projeto em HIV que havia trabalhado no fim da minha licenciatura, no entanto, embora continue atualmente a trabalhar em paralelo nesse projeto, não foi com esse trabalho que prossegui. Na altura de decidir qual o trabalho que iria realizar durante o meu mestrado, sentei-me com as minhas orientadoras, Cláudia Nóbrega e Margarida Correia-Neves, e elas disseram-me que tinham um projeto novo que tinha acabado de ser financiado e que, se eu assim quisesse, ficaria com esse projeto e, claro, na hora fiquei mais do que em êxtase porque iria ter um projeto “meu”, mas, na verdade, não sabia muito bem no que me estava a “meter”. Foi aí que comecei então a trabalhar em neuroimunologia no projeto “Impacto da função tímica e sistema imunitário na progressão das diferentes formas de esclerose múltipla”, o qual tem sido o meu principal foco de investigação até à data.
O que é a neuroimunologia?
A neuroimunologia é, no fundo, a área cujo enfoque é o estudo da relação entre o sistema imunitário e o sistema nervoso. É uma área que, nos últimos anos, tem tido atenção acrescida devido ao crescente conhecimento da estreita e essencial relação entre os dois sistemas: sistema imunitário e o sistema nervoso.
Presentemente, está a realizar um projeto de investigação. Qual o campo de estudo?
Sim, atualmente, estou a trabalhar em dois projetos de investigação. O primeiro é em HIV e estamos atualmente a tentar desvendar quais as diferenças a nível imunológico e tímico entre doentes com linfopenia severa com adequada ou pobre recuperação imunológica após iniciar a terapia antirretroviral. O outro projeto de investigação, ao qual me tenho dedicado e que tem sido o meu maior foco, é o estudo do sistema imunitário e da função tímica em indivíduos com diferentes formas de progressão de esclerose múltipla. A esclerose múltipla é uma doença autoimune do sistema nervoso central caracterizada pela degradação da mielina que cobre os neurónios. Esta mielina é extremamente importante para uma adequada transmissão do impulso nervoso. No entanto, no caso da esclerose múltipla, parece que algumas células do sistema imunitário, particularmente células T, são capazes de escapar aos mecanismos que impedem que estas células reajam contra moléculas próprias dos indivíduos e, consequentemente, originem uma cadeia de eventos que culminam com a destruição desta “camada” protetora dos neurónios. A nível clínico e para fins de diagnóstico esta doença é dividida em duas formas principais: a forma primária progressiva, caracterizada pelo progressivo acumular da disfunção neurológica desde o surgimento da doença; e a forma de surto-remissão, caracterizada por episódios de disfunção neurológica seguido de períodos de recuperação. Em suma, o objetivo desse projeto passa por tentar perceber de que forma a disfunção do timo (órgão onde são diferenciadas as células T) e as alterações consecutivas do sistema imunitário poderão contribuir para o desenvolvimento das distintas formas de progressão da doença.
O ingresso na Life and Health Sciences Research Institute está limitado às melhores cabeças. Como caracteriza o seu percurso académico? E como investigador?
Comecei o meu percurso académico com uma licenciatura em Biologia Aplicada, curso este que me facultou as ferramentas necessárias para definir o resto do meu percurso. A minha ida para o Life and Health Sciences Research Institute começou no fim da licenciatura quando, por iniciativa própria, decidi contactar a Margarida Correia-Neves e a Cláudia Nóbrega para fazer o meu estágio de final de licenciatura num projeto em HIV que estava a decorrer. Elas foram umas corajosas e decidiram aceitar-me durante aqueles dois meses. Durante esse período, tive a oportunidade de aprender como nunca e de perceber também que, afinal, não sabia nada de nada. Para além disso, tive a oportunidade de fazer investigação “pura e dura” num instituto com excelentes condições e que preza o rigor e a exigência. Foi durante esse período de estágio que decidi que era ali que eu queria prosseguir os meus estudos, nomeadamente o mestrado. Decidi, então, proceder à minha candidatura e fui chamado para entrevista e, finalmente, acabei por ser um dos selecionados a frequentar o Mestrado em Ciências da Saúde. Em relação ao meu percurso como investigador tem passado muito pela investigação do timo e sistema imunitário em contextos como imunodeficiências como é a infeção por HIV e em doenças auto-imunes como é a esclerose múltipla.
Agora que ingressou num dos mais prestigiados departamentos da Universidade do Minho, que projetos tem para o futuro? O que gostava de investigar a fundo?
A curto prazo, será fazer doutoramento. Recentemente, recebi a confirmação de que fui um dos nove candidatos selecionados para ingresso no programa doutoral inter-universitário em doenças crónicas e envelhecimento. Trata-se de um programa doutoral entre a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade de Coimbra e a Universidade do Minho.
Os meus objetivos a longo prazo passam por investigar com maior profundidade quais os processos que levam ao desenvolvimento de doenças auto-imunes em alguns indivíduos. No fundo, perceber o que leva o nosso sistema imunitário a “atacar” componentes do próprio organismo.
Os portugueses têm a perceção de que é difícil fazer ciência em Portugal. O que é que pensa disso? O Estado português apoia o suficiente ou não a ciência? Não se criou um pouco a cultura da subsidiodependência em Portugal?
Para ser sincero não sei até que ponto os portugueses têm tanta perceção assim do panorama da ciência em Portugal. A verdade é que se fizermos a comparação a outros países do norte da Europa rapidamente percebemos que alguma coisa não está a ser bem feita no nosso país, isto porque, apesar de termos um ensino de referência e de formarmos dos melhores profissionais, muitos destes são obrigados a rumar a outros países em busca de melhores oportunidades. A ciência é algo extremamente essencial para um país, é sinónimo de desenvolvimento, de melhores serviços, de melhores tratamentos, entre outros aspetos. Não penso que o Estado português apoie tanto a ciência quando deveria. Basta reparar que a Fundação para a Ciência e Tecnologia que rege os financiamentos para a investigação cientifica é completamente imprevisível, abre os concursos para doutoramento, projetos de investigação e afins em datas completamente aleatórias de ano para ano, isto quando abrem de todo. Para além de que actualmente não há grandes perspectivas de futuro para quem vem de acabar o doutoramento. Posso precisar que ainda não há resultados para o concurso efetuado em março-abril de 2017 para os projetos de investigação. Sucintamente, é esta a situação atual da ciência em Portugal.