Realizou-se, no passado dia 16 de junho, uma Assembleia de Freguesia de Soajo, que foi dominada pelos temas de momento: barraca nas imediações do Poço das Mantas, abrigo para a frota da Junta e dos Baldios, Hotel do Mezio, Parque Biológico e Comissão para definir os limites da freguesia. O presidente da Junta de Freguesia, Manuel Barreira da Costa (PSD), e a deputada Cristina Martinho (MSI), que também preside ao Conselho Diretivo dos Baldios, acentuaram divergências e trocaram argumentos sobre quem faz o quê e quem não deixa fazer. A peça que hoje se publica é apenas a primeira parte da extensa reportagem que terá continuação esta quarta-feira.
Questionado pela deputada Rosalina Araújo (CDU) acerca da construção que foi embargada no parque de lazer fronteiro às lagoas do Poço das Mantas, Manuel Barreira da Costa defendeu as virtualidades da iniciativa. “Toda a gente sabe que na última Assembleia de Freguesia [ocorrida no passado dia 20 de abril] foi dito que alguém ia pôr uma barraca como apoio aos banhistas. Infelizmente, ou felizmente, o Clube de Caça e Pesca apresentou uma proposta e nós concordámos visto ser um organismo sem fins lucrativos. Eles pagarão o que foi decidido e nós concordámos com isso”, disse o autarca, que, a seguir, não poupou nas palavras para visar, desta feita, a deputada do MSI que é presidente do Conselho Diretivo dos Baldios de Soajo.
“A Comissão dos Baldios fez uma denúncia ao Parque Nacional, segundo disse o presidente do Clube de Caça e Pesca [António Cerqueira], e lamento que ele não esteja aqui. Ou seja, os Baldios são uns empatas, nem fazem nem deixam fazer. […] Mas quem virá dirá! Por causa disto, fui chamado ao Posto da GNR, e não tinha que lá ir, porque a barraca não está em meu nome. Um agente [Guarda] disse-me que foi a Comissão de Baldios que não tinha conhecimento daquilo, quando eles [responsáveis dos Baldios] estiveram presentes na última Assembleia”, reforçou.
Mas Cristina Martinho desmentiu a versão do presidente da Junta com argumentos centrados na oportunidade e na legitimidade. “Em relação à construção do famoso barraco, a Comissão de Baldios não acusou, simplesmente quando fui contactada pelo Parque Nacional para saber se eu tinha dado alguma autorização, obviamente [eu] disse que ‘não’. Quem autoriza ou desautoriza são os compartes, só represento um voto. E há regras: cabe à Junta de Freguesia cobrar taxas para todas as vendas ambulantes, mas a Junta não deve autorizar construções. Porque é que não se fez um concurso, chamando todas as associações?”, perguntou a deputada e dirigente dos Baldios, concluindo que “a maneira como foi conduzido o protocolo não correu da melhor forma e este é completamente ilegal”.
Na resposta, Manuel Barreira da Costa admitiu que “houve uma certa precipitação no processo”, mas notou que “apenas o Clube de Caça e Pesca concorreu à iniciativa comunicada em Edital”, acrescentando que esta coletividade, sem exclusividade, irá pagar para lá ficar”.
O segundo grande pomo de discórdia prendeu-se com a (adiada) construção de um coberto para os veículos. “Nós, Baldios, estamos dependentes de uma licença da Junta para essa construção e, lembro, os carros são do povo. […] Estamos à espera desde outubro que a Junta nos diga um sítio, desta vez, não fazemos porque o senhor [Manuel Barreira da Costa] não age”, devolveu Cristina Martinho a provocação, sugerindo que “possivelmente há falta de vontade da Junta” em materializar a iniciativa que “não tem custos” para a autarquia soajeira.
Mas, apesar do prolongado impasse, o presidente da Junta não mostrou recetividade para desbloquear o problema – “em relação ao abrigo, ainda pode esperar algum tempo mais, a dada altura daremos autorização, se vocês e nós cá estivermos!” – e lembrou uma resolução não cumprida no mandato anterior – “a deputada [Cristina Martinho] era a secretária da Junta que não construiu o coberto prometido há dois ou três anos”.
Continuando esta toada de remoques, Manuel Barreira da Costa aproveitou a deixa para questionar a atividade dos Baldios e, assim, justificar um investimento que a “Junta vai ter fazer na limpeza”.
“Também havia a promessa de os Baldios limparem os lugares e não limparam patavina. O dinheiro que recebem – 350 mil euros por ano – para onde é que vai? Este dinheiro também é dos compartes dos lugares. Lembro que, devido à falta de limpeza dos Baldios, vamos contratar uma empresa para limpar os lugares”, atirou o autarca que lidera os destinos de Soajo.
A visada, Cristina Martinho, rebateu tudo e difundiu pelos presentes os custos inerentes ao funcionamento de uma brigada de sapadores. “Não houve promessa nenhuma, há quatro anos que os Baldios limpam os lugares, claro que não o fazemos intensamente, porque não há disponibilidade para tanto […]. Aliás, todos sabem que os Baldios têm muito trabalho, já foram limpos 40 hectares, mais os regos, cuja limpeza não deveria ser connosco, limpámos os caminhos principais dos lugares, fizemos a manutenção à volta das casas e, de vez em quando, ainda cortamos zonas de mato quando nos pedem. Quanto à verba de 350 mil euros, o senhor [presidente da Junta] sabe quanto custam as limpezas e a manutenção. Lembro que os Baldios têm um custo de 7 mil euros mensais com o pessoal e seguros, e a Junta não tem estes encargos”, comparou a deputada.
O Hotel do Mezio também esterilizou o debate e os argumentos de um lado e de outro foram no essencial o que se esperava. O presidente da Junta comunicou o “alheamento” da Câmara" em relação ao imóvel, enquanto Cristina Martinho alegou que Manuel Barreira da Costa e João Manuel Esteves, “se calhar, sabem mais do que aquilo que querem dizer”, apelando, apesar disso, à união das forças vivas de Soajo para que o imóvel "reverta a favor da freguesia”, compensando deste modo “os contratos que foram feitos anteriormente e que só prejudicaram Soajo”, acusou a deputada, que repetiu argumentos ouvidos anteriormente.
“A Comissão de Baldios não tem dinheiro nem está interessada em gerir o Hotel do Mezio, mas todos juntos podemos trabalhar para que os soajeros tenham algum usufruto daquela construção”, reforçou.
Por fim, o Parque Biológico, na sequência dos desenvolvimentos conhecidos em tempos recentes (o projeto acaba de ser licenciado), motivou, de igual modo, discordâncias entre a maioria e a oposição. O presidente da Junta, que confirmou um encontro com o seu homólogo de Cabana Maior, sublinhou que o “Parque Biológico está a andar, infelizmente, aquilo está num parcelário de Cabana Maior”, sustentou Manuel Barreira da Costa, que parece conformado com a situação.
“Ou avança com a proposta de Cabana Maior ou então não avança de maneira nenhuma, e perdemos cerca de 1,2 milhões de euros, que é o que ser vai ser investido. É possível que mais tarde, quando se deliberar sobre isso, o terreno não seja deles, e se não for deles, o Parque Biológico estará no nosso terreno. Mas, neste momento, com os dados que tenho, o projeto tem de ser feito por eles, porque está no parcelário deles”, justificou o presidente da Junta.
Mas, no período destinado ao público, a argumentação do autarca social-democrata foi completamente contraditada. “A única Carta Administrativa que existe, e que faz lei, diz que o Parque Biológico está totalmente dentro da freguesia de Soajo”, disse taxativamente Virgílio Barreira. Enquanto isso, Manuel Barreira da Costa insistiu que os “parcelários têm número e hectares, e o do Parque Biológico está no domínio deles”, mas, paradoxalmente, o autarca que preside à autarquia reconheceu que “a Junta vai ter de ver isso”.
Entretanto, perguntado por Rosalina Araújo sobre se a prometida Comissão “já existia e se estava a tratar dos limites de Soajo”, o presidente da Junta frisou que o processo não teve qualquer avanço. “A Comissão ainda não existe. […] Está tudo parado ainda. Andamos a tratar dos limites de Soajo há trinta anos e as coisas não são assim como a gente quer”, atirou o autarca (re)eleito em setembro de 2017.
Apesar disso, foi promovida recentemente uma reunião que juntou à mesa alguns dos eleitos de Soajo e de Cabana Maior, sem que daí resultasse nada de positivo. “Eles puxam para o lado deles, nós para o nosso”, reconheceu Manuel Barreira da Costa, antes de voltar ao ponto em que ficaram as negociações com os vizinhos de Cabana Maior.
“Nós propusemos um traçado alternativo ao deles, mas a Assembleia de Compartes de Cabana Maior não aceitou, agora já aceita, segundo diz o senhor Campos… Eles queriam vir até às poças, mas aquilo não é deles. E não é por águas vertentes, que são do cume da serra para baixo. Aquilo é nosso, e quando estiverem preparados para responder a isso, vamos promover outro encontro, desta vez com a tal Comissão constituída”, comprometeu-se Manuel Barreira da Costa.
Esta Comissão, segundo o que foi aprovado em dezembro do ano findo, será composta por representantes das várias associações soajeiras.