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Soajo em Notícia

Este blogue pretende ser uma “janela” da Terra para o mundo. Surgiu com a motivação de dar notícias atualizadas de Soajo. Dinamizado por Rosalina Araújo e Armando Brito. Leia-o e divulgue-o.

Soajo em Notícia

Este blogue pretende ser uma “janela” da Terra para o mundo. Surgiu com a motivação de dar notícias atualizadas de Soajo. Dinamizado por Rosalina Araújo e Armando Brito. Leia-o e divulgue-o.

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A Associação de Exilados Políticos Portugueses (AEP61-74), em parceria com a Junta de Freguesia de Soajo, organizou, no passado dia 23 de junho, o encontro “Soajo-Trilhos do Salto”. A iniciativa integrou-se no objetivo de fazer um documentário sobre Soajo, localidade que foi uma importante passagem de fronteira para muitos dos exilados que saíram de Portugal entre 1961 e 1974.

“Este é um tema duro, muito específico e que relata memórias relativas a uma parte da população portuguesa”, disse ao blogue Soajo em Notícia Fernando Cardoso, presidente da AEP. “Dos cerca de 1 milhão de jovens portugueses que foram mobilizados para as colónias portuguesas, 200 mil recusaram ir à guerra e foram praticantes do salto, alguns muito profissionais como o presidente da Junta [Manuel Barreira da Costa], o José Dias e eu próprio”, acrescentou o dirigente.

Este salto “era um salto para o desconhecido, um salto para um sítio que não sabíamos onde era e apenas sabíamos que não queríamos o que estava para trás de nós. Era uma decisão absolutamente irreversível. Era recusar a guerra, um país repressivo, sem liberdade, cinzento, um país onde havia licença de isqueiro e onde não se podia beijar a namorada na rua”, conta Fernando Cardoso.

Volvidos estes anos todos, o sentimento é de que valeu realmente a pena ter passado para o lado da esperança. “Ainda bem que arriscámos e que saímos deste país onde não se podia viver. Os praticantes do salto conheceram novos países, novas fronteiras, novas culturas e novas pessoas. Penso que nenhum deles se arrepende de ter dado este passo no desconhecido”, diz, taxativo, o presidente da AEP.

Soajo foi, justamente, um dos sítios onde muitos portugueses passaram a salto (Marvão, Vila Verde da Raia, Vilar Formoso ou Campo Maior foram outras conhecidas localidades de fronteira) e o afamado passador soajeiro João Fernandes (“Miúdo”), de 82 anos, presente neste encontro, ouviu testemunhos superlativos sobre a atividade clandestina dele. “Nós fomos praticantes, mas João Fernandes era um treinador encartado e foi ele que treinou vários praticantes do salto em Soajo”, disse dele Fernando Cardoso, com José Dias, 2.º secretário do Conselho Fiscal, a reforçar o enfoque na “polivalência” do homem de Cunhas que “ajudou” muitos compatriotas e conterrâneos a “encontrar o caminho das pedras”.

“O João foi, talvez, o primeiro passador sobre quem se escreveu uma biografia – Passagens de um passador: História de vida de João Fernandes –, livro que releva a sua notável personalidade de contrabandista, passador e falsificador de passaportes. Resolveu muitos problemas de gente que estava entalada como aconteceu comigo”, agradeceu José Dias, experiência que também foi vivenciada por Manuel Barreira da Costa.

“O João ‘Miúdo’ foi o meu embaixador, foi ele que me pôs no Canadá, […] mas como eu era um pouco mais rico paguei 15 contos e não cinco (contos)”, atirou o presidente da Junta de Freguesia, que presenteou a AEV com o brasão de Soajo e um prato decorado com os espigueiros da Terra.  

Apelo

Na sua alocução, o presidente da AEP difundiu um desafio pelos autarcas de fronteira. “Queria que o presidente da Junta de Soajo e todos os presidentes de junta da raia portuguesa pensassem na criação de um museu do salto, não um museu morto, mas um museu vivo, com milhares de histórias vivas. Só assim preservaremos a História contemporânea e só assim é que esta será contada aos nossos netos”, exortou Fernando Cardoso, que revelou a recetividade da Associação para participar num projeto desta natureza.

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Cinco perguntas a Fernando Cardoso, presidente da Associação de Exilados Políticos (AEP)

“Passar uma fronteira entre um país e outro era um salto para o desconhecido”

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  1. Em que âmbito se inseriu este roteiro a Soajo?

A AEP tem o projeto “Os Trilhos do Salto” que visa fazer um documentário sobre as várias passagens entre as fronteiras portuguesa e espanhola durante os anos da Ditadura. Ora, Soajo é um desses sítios. O nosso plano é fazer um pequeno documentário para cada uma das localidades da raia, a que chamaremos “Os Trilhos do Salto” […] dos exilados que saíram de Portugal entre 1961 e 1974. [Em cima da mesa está também a produção de um documentário televisivo sobre os vários trilhos do salto]

  1. O que é que resultou da visita efetuada à Várzea?

Fizemos uma espécie de reconhecimento tardio do local, que, hoje, está submerso pela barragem de Soajo/Lindoso. Como não se pode refazer o trilho, o José Dias, que foi um dos elementos que passaram por Soajo, sugere que se refaça a ideia do trilho. Foi nisso que ficamos de pensar.

  1. O que era passar a fronteira e deixar um país para trás?

Passar uma fronteira entre um país e outro era um salto para o desconhecido para muitos que sem isso nunca teriam tido a possibilidade de viajar para nenhuma parte que não a própria aldeia… Muitos foram daqui para Paris (França), Holanda, Dinamarca, Suécia… O salto era uma grande aventura.

  1. Quais os caminhos usados para o salto?

As pessoas que se exilavam e emigravam utilizavam os circuitos pré-establecidos do contrabando, porque eram circuitos testados e seguros. Eram conduzidas por um passador que sabia o caminho e conduzia as pessoas para esse desconhecido, porque a maior parte destas nem sequer se tinha aproximado algum dia da fronteira.

  1. A História ainda está por fazer?

A História está a ser feita progressivamente. A AEP publicou dois livros [Exílio I e Exílio II] com cerca de cinquenta testemunhos – todos passaram a fronteira dessa maneira. Os testemunhos não são só sobre a passagem da fronteira, mas também incluem essa passagem de fronteira.

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Testemunhos

. “O livro Passagens de um passador foi um dos que mais influenciaram a iniciativa ‘Os Trilhos do Salto’. É um trabalho que está feito com grande rigor científico e devidamente documentado. […] Obrigado, meu querido João Fernandes, por ter sido tão útil a mim e à minha família!” (José Dias)

. “Foi através de José Dias que foi possível reunir este grupo de pessoas para falar do passado. Hoje [23 de junho], vimos caminhos por onde já passámos noutras condições, uns para fugir à política fascista e outros por necessidade, como foi o meu caso. Emigrei por necessidade. Na altura, não percebia nada de política, ainda hoje não percebo, apesar de estar nos órgãos da Junta. Cada vez percebo menos!” (Manuel Barreira da Costa)

. “[…] O salto: a fuga por montes e vales, os passaportes carimbados pelo medo, […] homens quase meninos transportados como rebanhos, batalhões e batalhões de clandestinos, o contrabando de homens para vergonha de um país isolado! Acossado pela Guerra Colonial, o meu país em debandada para o desconhecido!” (Luís Barbosa)

. “[No tempo do fascismo], tínhamos medo do vizinho do lado e voltámos a ter medo…Porque é que o Trump ganhou as eleições? Porque as pessoas têm medo e há gente que ainda hoje continua a votar com medo”. (Eduarda)

. “Experimentei o salto de várias maneiras. Fiz parte do grupo de estudantes que provocou a crise de 1962, fui preso nesse ano em Caxias. Tenho a experiência da prisão, do contacto e dos interrogatórios da PIDE. Apesar das dificuldades por que passámos, por causa dos perigos que o fascismo representava, tive a felicidade de viver grandes momentos na cadeia. O grupo de 42 pessoas foi uma grande força […].” (Jacinto Rodrigues)

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IMG_0818Fotos: Soajo em Notícia e Fernando Gomes